Sinto-me relativamente íntimo de Paulo Autran. Mencionei-o numa crônica anterior. Estive com ele em teatros e também no cinema.
No caso narrado nesta crônica, ambos estávamos na plateia.
Achei o episódio curioso. Eu estava no cine Astor, na avenida Paulista, em São Paulo, num tempo em que não havia numeração nas poltronas.
Os mais jovens conseguem imaginar como seria ir ao cinema sem ter lugar marcado?
Quanto aos jovens há mais tempo, o que dizer das táticas para reservar poltronas para os amigos, para as amigas? Um agasalho sobre a poltrona vazia bastava como placa:
Ocupado!
E quando eram 3 ou 4 lugares “ocupados”? Se alguém perguntasse sobre, ouviriam:
“Foram ao banheiro”.
— Os 4?
— Sim.
As mulheres costumam ir juntas ao banheiro. Não consigo explicar o porquê desse ritual. Quanto aos homens, já é sabido. Já foi explicado por Luiz Fernando Guimarães*. Eles vão para derramar as lágrimas que não podem ser mostradas em público.
Mas voltemos ao caso. Paulo entrou no cinema discretamente pela parte de trás, encontrando uma plateia onde pessoas conversavam sobre coisas da vida. À medida que descia, escolhendo um lugar para se sentar, o silêncio ia se instaurando na sala.
Um silêncio que avançava tal como uma sombra que te surpreende devido à passagem de uma nuvem solitária num dia ensolarado.
Os diálogos cessavam, dando lugar a olhares. Seria ele?
Depois que ele se acomodou, pudemos enfim retomar a respiração. Sussurros passaram a ocupar o ambiente.
Outras pessoas entravam na sala. Logo a vida voltou ao seu curso normal. Ou não?
S T Azevedo
Duas pitadas de Paulo Autran.
O Homem de La Mancha
Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade
*Não encontrei a referência da passagem em que Luiz Fernando Guimarães conta essa história dos homens chorando no banheiro. O registro vem, portanto, da minha lembrança.
Kommentare