Um compromisso pessoal me atrasa e eu chego ao serviço um pouco mais tarde. Atualmente o estacionamento não é um problema como já foi no passado. É um pouco distante, o que proporciona uma ligeira caminhada.
O que muda com o horário são as pessoas que transitam pela rua. Entre elas eu vejo um senhor caminhando com alguma dificuldade. Eu o conheço. Não o via há alguns anos.
Ajustei o passo para emparelharmos na caminhada. Ele me viu. Cumprimentei-o pelo nome. Fui saudado da mesma forma.
Trocamos um aperto de mãos e prosseguimos caminhando, agora lado a lado. Ele me contou que nunca pegou Covid e que tem trabalhado com reciclagem, algo difícil em dia de chuva, como o de hoje. Como alternativa ele volta a exercer a profissão de flanelinha, muita prejudicada com a transformação das ruas do bairro em áreas de Zona Azul, afugentando seus tradicionais clientes.
Chegamos ao final do quarteirão e paramos. O ambulante, que fica na esquina, lhe serviu uma sopa. Paguei a conta e nos despedimos, não sem um pouco de emoção.
Cheguei ao trabalho e não pude tirar esse encontro da cabeça. Lembrei-me de quando o conheci, há mais de 10 anos. Depois de um tempo, não o vi mais.
Na época não havia estacionamento disponível para todos. As ruas do centro, sempre ocupadas, eram um desafio para quem não chegava cedo. Mas lá estava ele para resolver isso. Parávamos os carros sem freio de mão puxado. Ele “reservava” toda a rua para seus clientes, deixando os carros espaçados e ia organizando a fila, ora empurrando para a frente, ora para trás.
Sua atuação na rua enfrentava algumas resistências. Nem todos aceitavam esse tipo de trabalho. Havia quem se incomodasse com aquele que parecia ser o dono da rua.
Outros serviços eram prestados. A lavagem do carro podia ser por fora, mas também por dentro. Bastava deixá-lo aberto.
E havia um serviço especial. Aqueles que chegavam em cima da hora e não conseguiam uma vaga, podiam deixar o carro com o nosso amigo, que tratava de procurar uma vaga nas redondezas.
Pelo o que eu percebia, poucos estavam dispostos a usar esse serviço. Eu nunca tive coragem de deixar o carro nessas condições. Nunca soube, entretanto, que alguma vez alguém tenha tido problemas.
Essas histórias, além de muitas outras, aconteceram no centro de Recife, uma cidade de uma complexidade imensa.
Fica aqui um grande abraço para o amigo Bartolomeu.
Nossos dias foram afetados pelo encontro. Positivamente. Para ambos, penso eu.
S. T. Azevedo
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