A freada foi um pouco mais brusca do que o normal, o suficiente para ouvir da minha filha que eu tinha acabado de derrubar o café da sua xícara.
Viajo no tempo.
Fui parar no interior do Maranhão. Eu e o meu sogro nos dirigíamos para uma fazenda com muito espaço para as crianças treinarem na direção. A caminhonete era grande, imponente e moderna o suficiente para deixar qualquer pessoa com a sensação de dona do mundo.
A fazenda, de propriedade de um amigo do meu sogro, é um recorte do novo Maranhão. A revolução do agronegócio vai mudando o interior. Ali se produz soja, milho e capim para o gado.
Chegamos ao local. Minha filha e o meu filho entraram em acordo quanto a quem ia e quem voltava dirigindo.
Fiquei no banco do carona, como instrutor. Meu sogro, no banco de trás, satisfeito e orgulhoso por concretizar um sonho da neta e do neto.
Minha filha foi a primeira. Ensinei-a a ajustar a posição do banco, dos espelhos, a localizar os comandos. Em seguida, falei sobre o acelerador e o freio, da importância de usá-los com suavidade. Pedi para ela imaginar que eu estaria segurando uma xícara de café, que ela não poderia derramar.
Volto ao presente.
Percebo que desde então minha forma de dirigir é fiscalizada. Não me incomoda a fiscalização. Fico pensando é no efeito que as falas da gente podem fazer sobre as pessoas. Algumas nos marcam. Será que nos definem?
O que fazer com aquelas que nos machucam ou que machucam outras pessoas?
Penso que há muito o que fazer. Falar sobre elas é um caminho que pode ser transformador.
Ainda não chegou a hora da minha filha assumir a direção. Por enquanto, vou sugerindo que aprecie o caminho. Nesse dia, especialmente, por estarmos em local diferente do habitual, reforço a sugestão e aponto situações que induzem comentários. Nem sempre é possível despertar o interesse, mas penso que vale a pena tentar.
Quem sabe chegará o dia em que eu estarei confortavelmente no banco de trás e ela estará na direção, atenta ao trânsito e ao melhor caminho para nossos destinos?
S.T.Azevedo
Foto de Soner Arkan:
Comments