A curva da estrada de chão, que liga o vilarejo ao sítio isolado em um vale, tinha fama de ser assombrada. Nela havia uma árvore frondosa que, à noite, deixava a região muito escura.
Não havia luz elétrica na região.
Os moradores que usavam a estrada à noite, voltando do trabalho ou da escola, percorriam o trecho à pé, não sem um aperto no coração quando se aproximavam da curva assombrada. Mesmo os mais destemidos apressavam ligeiramente o passo ao passar pelo local, escuro até em noite de lua cheia.
Congo
Numa determinada noite, Congo retornava sozinho para casa, quando se aproximou da curva. Valente como só ele sabia ser, acostumado a passar por ali sozinho, sorriu para si mesmo e se determinou a manter o ritmo de seus passos. Não resistiu, entretanto, a virar-se para trás, num gesto despretensioso.
Uma descarga elétrica percorreu-lhe a espinha ao ver um vulto vindo atrás dele.
Sua reação foi voltar-se rapidamente para a frente para não tropeçar. Não tinha certeza de ter visto alguma coisa, mas por via das dúvidas resolveu apressar o passo.
Paulão
Paulão voltava de um dia cansativo na escola. Nessa noite ele tinha se desencontrado da turma e voltava sozinho para casa. Nas proximidades da região assombrada ele prosseguia ressabiado. Ele já tinha visto que algumas dezenas de metros à sua frente uma pessoa fazia o mesmo caminho, mas a distância não permitia reconhecer ninguém. Ele adotou o ritmo de caminhada do desconhecido e prosseguiu alerta, mas sentiu o coração acelerar ao perceber que quem ia à sua frente tinha olhado para trás e agora apertava o passo.
Que diabos será que ele viu?
Paulão não teve dúvidas. Apertou o passo também, sem coragem de olhar para trás.
Jogo de gato e rato
Congo manteve o andar mais apressado. Depois de um tempo voltou-se novamente para olhar para trás. O vulto ainda estava lá e parecia estar mais próximo.
Eu sou valente, isso não é nada - pensou - acelerando ainda mais o passo.
Foi com grande apreensão que Paulão notou que a pessoa à sua frente se apressava, certamente por ter visto algo que ele não via.
Eu não vou ficar aqui sozinho.
Seus passos também aceleraram.
A terceira olhada de Congo para trás foi decisiva. Ao ver o vulto perseguindo-o, disparou numa carreira desembestada.
Os acontecimentos se precipitaram. Paulão disparou a correr também. Passaram pela árvore como duas flechas, até que o outrora valente Congo começou a gritar por socorro. Paulão reconheceu a voz do amigo e começou a gritar de volta.
A correria foi diminuindo na medida em que a curva da estrada se distanciava. Ambos estavam com os corações saindo pela boca.
Sem nenhum outro incidente, agora juntos prosseguiram em silêncio até o sítio onde viviam. As únicas palavras que trocaram foram:
- Isto fica entre nós.
S.T.Azevedo
Créditos: Photo by Lukas Becker from StockSnap
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